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Sobre o Grupo VITA
Não. Apesar de ser um grupo criado a pedido da Igreja Católica em Portugal, é um grupo técnico independente, isento e autónomo, constituído por leigos especialistas nas respetivas área. Conta com a colaboração de um Padre como consultor em matéria de Direito Canónico.
Não. A Comissão Independente foi constituída para realizar um estudo sobre os abusos sexuais praticados contra crianças e adolescentes no seio da Igreja Católica em Portugal. O Grupo VITA surge após as conclusões elencadas no relatório da Comissão Independente e tem objetivos e ações operativas, ou seja, pretende acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual sobre crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal.
Sim. O Grupo VITA pretende criar e consolidar respostas especializadas, capacitar e desenvolver recursos, em estreita articulação com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas, as Comissões Diocesanas, os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e demais estruturas eclesiásticas.
O Grupo VITA pretende Acolher, Acompanhar, Sinalizar, Prevenir, Formar e Investigar.
Acolher…
- Crianças, jovens ou adultos (sobreviventes ou outros) vítimas de crimes de natureza sexual (passados ou atuais), cometidos por sacerdotes ou leigos, no contexto da Igreja Católica em Portugal.
- Elementos da Igreja que estejam suspensos do exercício do ministério (ou outros referenciados pelas Dioceses), ou leigos suspensos, e que desejem ser ajudados.
- Pessoas (jovens ou adultos) que, não tendo cometido crimes sexuais, se sintam em risco e com necessidade de ajuda na área da sexualidade.
- Pessoas (jovens ou adultos) que tenham cometido crimes sexuais e reconheçam a necessidade de ajuda.
Acompanhar…
- Encaminhamento de vítimas de violência sexual (crianças ou adultos sobreviventes) para profissionais especializados que prestem o apoio necessário.
- Encaminhamento das pessoas que estão em risco de cometer crimes de natureza sexual ou que já os cometeram para profissionais especializados que prestem o apoio necessário.
- Se necessário, encaminhamento para as Comissões Diocesanas, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e demais estruturas eclesiásticas, por forma a providenciar apoio espiritual ou outro.
Sinalizar…
- Comunicar ao Ministério Público as denúncias de violência sexual no contexto da Igreja;
- Comunicar às entidades responsáveis pela investigação destes factos, dentro da Igreja, as denúncias de violência sexual, com vista a evitar a sua continuação ou repetição;
- Identificar situações de violência sexual sobre criança ou pessoa vulnerável no contexto da Igreja e reportá-las às autoridades, para investigação criminal;
- Identificar e, se necessário, criar um canal seguro de comunicação dentro da Igreja para a apresentação de denúncias de situações de violência sexual, passadas ou em curso, que permita o seu encaminhamento para as autoridades de investigação criminal;
- Análise dos casos em que não pode haver, designadamente por força do decurso do prazo de prescrição, lugar a processo-crime e definição de vias a adotar, em particular quando o denunciado permaneça em funções e em contacto com potenciais vítimas.
Prevenir…
- Elaborar documentos e materiais de apoio para informar, sensibilizar e prevenir a violência sexual no contexto da Igreja, incluindo um «Manual de Prevenção de Situações de Violência Sexual sobre Crianças e Adultos Vulneráveis no contexto da Igreja Católica em Portugal».
- Desenvolver um «Programa de Prevenção Primária da Violência Sexual» específico para o contexto da Igreja.
- Elaborar e promover a implementação de procedimentos internos destinados a evitar ou mitigar o risco de violência sexual no contexto da Igreja.
Formar…
- Formação a todos os profissionais (psicólogos, psiquiatras e psiquiatras da infância e da adolescência) que integrem a Bolsa Nacional de Profissionais especializados para intervenção com vítimas ou agressores sexuais.
- Formação a todas as pessoas empenhadas na prevenção, para que possam dinamizar ações de sensibilização e formação para os diferentes membros (clérigos e leigos) da Igreja. Estas ações serão monitorizadas pelo Grupo VITA.
- Supervisão a todos os profissionais que integrem a Bolsa Nacional de Profissionais especializados para intervenção com vítimas ou agressores sexuais.
Investigar…
- Na sequência de trabalhos anteriores, estudar longitudinalmente os abusos sexuais cometidos no contexto da Igreja Católica em Portugal.
- Desenvolver um conjunto de estudos que permitam informar o desenvolvimento de ações e iniciativas futuras.
Todos os profissionais da área da Psicologia e Psiquiatria com formação e experiência na área da violência sexual podem inscrever-se através da respetiva ordem profissional. Poderão, igualmente, inscrever-se entidades que já desenvolvam esta intervenção e que desejem integrar a bolsa com os seus profissionais, beneficiando também de formação e supervisão através do Grupo VITA.
Sobre os crimes de natureza sexual
A nossa lei penal prevê vários tipos de crimes sexuais, que variam em função de diversos fatores, como sejam a idade da vítima, o uso de violência, o tipo de contacto, a vulnerabilidade da vítima, etc. Dentro dos vários tipos de crimes, existem diversos fatores de agravação, onde se inclui, por exemplo, a relação familiar entre o agente e a vítima, a existência de uma relação de coabitação, dependência hierárquica, trabalho, a circunstância de o agressor ser portador de uma doença sexualmente transmissível, ou se o facto for cometido por duas ou mais pessoas.
Os tipos de crimes sexuais que podem ser praticados sobre maiores ou menores de idade incluem:
- a coação sexual, que consiste em constranger outrem a sofrer ou a praticar ato sexual de relevo, o que pode incluir, entre outros, beijos ou toques indesejados;
- a violação, que consiste no ato de constranger, ou seja, de atuar contra a vontade da vítima, de modo a com ela praticar cópula, coito anal ou coito oral ou de a fazer sofrer a introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
- o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, praticando com ela ato sexual de relevo, ou mesmo cópula, coito oral ou coito anal, aproveitando-se do estado de inconsciência ou de incapacidade de oferecer resistência da vítima;
- a importunação sexual, que consiste na prática de atos de caráter exibicionista (por exemplo, despir-se ou exibir os órgãos sexuais), na formulação de propostas de teor sexual ou no constrangimento da vítima a contacto de natureza sexual (trata-se aqui de um contacto que não assume a gravidade de um ato sexual de relevo, por exemplo por importar o toque em partes do corpo menos íntimas, como seja o pescoço, os ombros, os braços ou as pernas).
Já os tipos de crimes que apenas podem ser cometidos por maiores contra menores de idade são os seguintes:
- O abuso sexual de crianças, e que pressupõe contactos de natureza sexual com menores de 14 anos, independentemente de esta exibir alguma aparência de consentimento;
- O abuso sexual de menores, entre os 14 e 18 anos, dependentes ou em situação particularmente vulnerável, e que pode resultar, por exemplo, do abuso de uma posição de manifesta confiança, de autoridade ou de influência que o agressor tenha sobre o menor.
- Os atos sexuais com adolescentes, que pressupõem a prática de ato sexual de relevo, que poderá ser cópula, coito oral ou coito oral, com menor entre os 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência;
- A prostituição de menores, que será praticado pela pessoa que, sendo maior, pratique ato sexual de relevo com menor de 14 a 18 anos, mediante pagamento ou outra contrapartida;
- O lenocínio de menores, que consiste no ato de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor ou aliciar menor para esse fim (por exemplo, levando a que um menor se prostitua);
- A pornografia de menores, que consiste, entre o mais, na utilização de menor em fotografias, filmes ou gravações pornográficas, ou mesmo na produção, distribuição, importação, exportação, divulgação, exibição, cedência, disponibilização, aquisição, detenção ou mesmo mera visualização de material com pornografia de menores. Por material pornográfico deve entender-se aquele que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo;
- O aliciamento de menores para fins sexuais, que ocorre quando alguém, sendo maior de idade, por meio de tecnologias de informação e de comunicação (leia-se, através da Internet), aliciar menor, para encontro com vista à prática de ato sexual de relevo;
- A organização de viagens para fins de turismo sexual com menores.
O conceito de ato sexual de relevo não consiste apenas em relações sexuais. Pode, ao invés, implicar contactos de natureza sexual não desejados, como sejam beijos, toques na zona genital, nos seios, nas nádegas ou outras partes do corpo. Se, contudo, estiverem em causa relações sexuais, ou seja, cópula, coito oral ou coito anal, a pena será agravada.
O abuso sexual de crianças ocorre quando um adulto pratica um ato sexual de relevo com um menor de 14 anos, independentemente da vontade eventualmente expressa por este no ato. A mera circunstância de haver um ato sexual entre um maior de idade e um menor de 14 anos tornará este crime aplicável.
Existem ainda outras modalidades de abuso sexual de crianças, como sejam:
- a importunação de menor de 14 anos, que consiste na prática de atos de caráter exibicionista (por exemplo, despir-se ou exibir os órgãos sexuais), na formulação de propostas de teor sexual ou no constrangimento da vítima a contacto de natureza sexual (trata-se aqui de um contacto que não assume a gravidade de um ato sexual de relevo, por exemplo por importar o toque em partes do corpo menos íntimas, como seja o pescoço, os ombros, os braços ou as pernas);
- a atuação sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos, ou
- o aliciamento de menor de 14 anos a assistir a abusos sexuais ou a atividades sexuais.
O abuso sexual de pessoas vulneráveis pressupõe que a vítima se encontra numa situação especialmente frágil, seja por razões de saúde ou deficiência, seja por o agressor ser responsável pela sua educação ou assistência, por abusar de posição de manifesta confiança, autoridade ou influência sobre o menor.
É difícil identificar um prazo fixo de prescrição dos crimes sexuais. E é assim porque o prazo de prescrição varia em função da moldura penal dos crimes (ou seja, um crime com pena de prisão até 5 anos prescreverá antes de um crime punível com pena até 15 anos), sendo que, como se viu, os crimes sexuais têm penas variáveis em função de diversos fatores.
A isto acresce o facto de, ao longo dos anos, os prazos de prescrição terem vindo a ser alterados, o que significa que um crime cometido na vigência da lei anterior manterá o prazo de prescrição dessa lei e não o da lei posterior.
Assim, por exemplo, o crime de abuso sexual de crianças, mediante cópula, coito oral ou coito anal, prescreverá no prazo de 10 anos. No entanto, se, por exemplo, a vítima tiver uma relação familiar com o agente, se for pessoa particularmente vulnerável ou se o agente for portador de doença sexualmente transmissível, o prazo de prescrição poderá ir até aos 15 anos.
Por outro lado, sendo a vítima necessariamente menor, o crime não prescreverá antes de o ofendido perfazer 23 anos. Assim, se a vítima sofrer crime de abuso sexual aos 9 anos, o crime não prescreverá passados 10 anos, mas apenas após a vítima perfazer 23 anos.
Por último, o prazo de prescrição pode ser prolongado, caso a vítima dê início a um processo-crime, uma vez que existem vários fatores de suspensão e interrupção da prescrição. Assim, se for iniciado um procedimento criminal antes do fim do prazo de prescrição, o prazo de prescrição de 10 anos poderá ir até aos 18 anos, ao passo que um prazo de prescrição de 15 anos poderá chegar aos 25 anos e 6 meses.
Assim, na dúvida, valerá sempre a pena tentar avançar com um processo-crime, uma vez que poderá o prazo de prescrição não ter ainda decorrido.
Existem crimes que, se chegarem ao conhecimento da polícia ou do Ministério Público, darão obrigatoriamente lugar à abertura de um processo-crime. São os chamados crimes públicos. Quer dizer que não é necessário que a vítima apresente queixa, mas antes basta que haja uma denúncia por qualquer pessoa ou mesmo que o Ministério Público tome conhecimento do crime pelos seus meios (por exemplo, através da comunicação social). É o caso de grande parte dos crimes contra a autodeterminação sexual de menores, como sejam a coação sexual, a violação, o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, a importunação sexual, o abuso sexual de crianças, o abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável, o recurso à prostituição de menores, a pornografia infantil, etc..
Já os crimes semipúblicos são aqueles que dependem de queixa pelo titular do direito (geralmente, a vítima), ou seja, são os crimes que apenas darão lugar a um processo-crime caso o titular do direito de queixa manifeste vontade de o fazer. Para o efeito, deverá a vítima apresentar a queixa no prazo de 6 meses após tomar conhecimento do facto e dos seus autores. É o caso, por exemplo, do crime de atos sexuais com adolescentes, desde que dele não resulte suicídio ou morte da vítima.
No caso de a vítima ser menor de idade, e se o crime for semipúblico, caso a queixa não seja apresentada em seu nome (por exemplo, pelos seus pais), pode a vítima apresentar queixa a partir dos 16 anos, sendo que o prazo de 6 meses só se começará a contar a partir do momento em que a vítima faça 18 anos.
Caso a vítima dos crimes de coação sexual e de violação seja maior de 16 anos no momento da prática do crime, e mesmo que tenha decorrido o prazo de 6 meses sem apresentação de queixa, existe a possibilidade de o Ministério Público dar início ao processo, no prazo de 6 meses após o próprio Ministério Público ter tomado conhecimento do facto, desde que o interesse da vítima o aconselhe.
Sobre as vítimas de violência sexual
Com exceção de determinadas lesões físicas (que exigem uma observação médica), não existe um conjunto específico de sinais e sintomas associados às situações de violência sexual. No entanto, são frequentes algumas alterações de funcionamento, às quais devemos estar particularmente atentos. Estas alterações podem ser mais externalizantes (p. ex., maior agitação, irritabilidade ou agressividade) ou internalizantes (p. ex., isolamento, tristeza, passividade). No caso de crianças, em concreto, estas também evidenciam, por vezes, comportamentos sexuais não normativos (p. ex., masturbação compulsiva, imitar o ato sexual na atividade lúdica ou com pares), cuja frequência, duração e intensidade deve ser tida em conta.
Algumas crianças são assintomáticas, o que significa que não evidenciam qualquer alteração no seu padrão de funcionamento habitual apesar de, habitualmente, virem a manifestar sintomatologia mais tarde (p. ex., na adolescência).
A forma como as vítimas se sentem depende das suas características individuais e também da situação de violência de que foram vítimas. No entanto, e de uma forma mais geral, é frequente as vítimas sentirem medo, culpa e vergonha, bem como conflitos de lealdade e sentimentos de estigmatização (sentirem-se diferentes das outras pessoas).
Alguns fatores que tendem a agravar o impacto da violência são a duração e a frequência da situação, a natureza da relação com o agressor (especialmente quando este é uma pessoa familiar, com quem a vítima mantém uma relação de confiança), o tipo de violência experienciado, o recurso a estratégias mais violentas e, ainda, a reação do meio.
São vários os motivos que levam a que uma vítima não revela a situação de violência que viveu, nomeadamente:
- Limitações em razão da idade e da maturidade: vítimas mais novas ou com algum atraso no seu desenvolvimento nem sempre compreendem o que estão a vivenciar e, muitas vezes, não percebem sequer que a situação é de natureza abusiva.
- Tabu: o tema da sexualidade e da violência sexual continua a ser um tabu no nosso país, o que apenas contribui para que as vítimas sintam ainda maior dificuldade em revelar.
- Sentimentos de culpa, muitas vezes potenciados pelo agressor, que responsabiliza a vítima pela situação.
- Medo de consequências negativas para si ou para terceiros (que aumenta quando existem ameaças por parte do agressor).
Conflitos de lealdade (devido ao facto de, em muitas situações, o agressor ser alguém com quem a vítima mantém uma relação de proximidade e de confiança).
Os efeitos de uma situação de violência sexual podem manifestar-se a curto, médio ou longo prazos e dependem de diversos fatores, como o tipo de violência a que a vítima foi sujeita, a sua duração e frequência, a existência, ou não, de ameaças ou, ainda, a natureza da relação com o agressor.
Os efeitos dependem também de alguns fatores de risco (fatores que podem potenciar o impacto negativo, como baixa autoestima, um contexto familiar pouco securizante ou a ausência de uma rede de suporte social) e de proteção (fatores que protegem a vítima do impacto negativo da situação abusiva, como sejam, por exemplo, ter uma boa rede social de apoio).
Embora exista uma grande variabilidade na sintomatologia apresentada, com alguma frequência observam-se alterações a diferentes níveis:
- A nível físico, destacam-se as alterações nos padrões de sono (p. ex., insónias, sono agitado, pesadelos) e alimentares (diminuição ou aumento do apetite), a inibição/lentidão de movimentos, náuseas, alterações gastrointestinais, arrepios, tensão muscular, tremores, dores no corpo, alterações na forma de respirar, alteração no ritmo cardíaco e tonturas. Podem ainda existir lesões físicas, gravidez ou infeções sexualmente transmissíveis, que exigem uma avaliação e intervenção médica.
- A nível emocional, surgem frequentemente sentimentos de tristeza, medo, preocupação, culpa, raiva, vergonha e ansiedade. Muitas crianças evidenciam ainda alterações de humor.
- Do ponto de vista cognitivo, observa-se frequentemente uma sensação de desesperança e confusão mental, pensamentos negativos, autocrítica e baixa perceção de controlo e eficácia, a par de dificuldades de atenção e concentração, alterações na memória e dificuldade em tomar decisões.
- A nível comportamental, surgem frequentemente crises de choro, evitamento de atividades que antes geravam prazer e também de novas atividades, incapacidade em lidar com tarefas diárias, comportamentos de maior passividade ou agressividade, isolamento social e comportamentos auto-lesivos (i.e., provocam dano físico, como infligir cortes em algumas partes do seu corpo).
Sim, é possível. Esta recuperação depende, no entanto, de múltiplos fatores, como as características da situação abusiva e dos fatores de risco (i.e., variáveis ambientais, sociais ou individuais que agravam o surgimento de um comportamento negativo) e de proteção (i.e., variáveis ambientais, sociais ou individuais que agem no sentido da prevenção de um comportamento negativo) existentes.
Muitas vítimas necessitam de apoio especializado (psicológico e/ou psiquiátrico) para conseguirem ultrapassar a situação traumática que viveram.
Sim, os crimes sexuais também podem ser cometidos online e têm crescido exponencialmente durante os últimos anos. Através de diferentes dispositivos (telemóvel, computador, etc.), a pessoa que comete um crime sexual aborda e alicia as suas vítimas (habitualmente, mais do que uma) de uma forma muito rápida, iniciando conversas de teor obsceno e também enviando e/ou pedindo ficheiros de natureza pornográfica (como fotografias ou vídeos). Em troca, estas pessoas oferecem algumas recompensas, que podem ser de natureza afetiva (fazendo-se passar por “amigos especiais”) ou material (p. ex., dinheiro virtual para gastar em videojogos).
Os fatores de risco remetem para variáveis que aumentam a probabilidade de uma dada problemática ocorrer. A exposição ao risco é cumulativa, i.e., quanto maior a exposição a fatores de risco, maior a probabilidade de uma pessoa experienciar uma situação de violência sexual. Os fatores de proteção referem-se a variáveis (pessoais e ambientais) que moderam a ocorrência desse risco. Os fatores de risco e proteção encontram-se habitualmente interligados e variam em função de características do desenvolvimento, bem como de características sociais e culturais.
São exemplos de fatores de risco:
- A nível societal: Normas sociais e políticas, bem como determinadas crenças e valores (p. ex., uma sociedade marcadamente machista ou a não existência de legislação sobre igualdade de género).
- A nível social: Contextos em que a criança está inserida e onde estabelece relações de grande proximidade e confiança, podendo propiciar-se momentos de menor supervisão por parte dos adultos (por ex., contexto escolar, religioso ou desportivo).
- A nível familiar: Ausência de figuras de referência afetiva, consumo de substâncias, violência familiar, doença mental ou baixa supervisão parental;
- A nível individual: ser do género feminino (no abuso sexual intrafamiliar) ou do género masculino (no abuso sexual extrafamiliar), deficiência mental ou outra, insegurança, baixa autoestima, sintomas depressivos, carência afetiva e vulnerabilidade acrescida no contexto de uma situação de vida particular (p. ex., separação ou divórcio, morte de um familiar).
Alguns aspetos essenciais para a proteção contra situações potencialmente abusivas são: criar oportunidades que aumentem a consciencialização sobre a problemática, facultar informação sobre a mesma (ajustada às diferentes faixas etárias) e desenvolver competências que promovam a prevenção de comportamentos potencialmente abusivos.
A prevenção primária do abuso sexual deve ocorrer desde cedo (i.e., desde a idade pré-escolar) e ao longo do tempo. Deve ainda apostar-se em prevenções que envolvam, não só as crianças e jovens, como também os seus adultos significativos (p. ex., familiares, educadores de infância, professores, catequistas, grupos de escuteiros, grupos de jovens), que procurem reduzir os fatores de risco, aumentar os fatores de proteção e incluir estratégias de promoção de competências que potenciem um desenvolvimento mais saudável.
A reação do meio face a uma revelação de violência sexual assume-se como um dos fatores com maior impacto no bem-estar da vítima. É fundamental manter canais de comunicação abertos com as crianças e mostrar disponibilidade para as ouvir, potenciando sentimentos de segurança e proteção.
Na sequência de uma revelação de violência sexual é muito importante que o adulto que acolhe essa revelação:
- Escute ativamente (i.e., mostre interesse e preocupação por aquilo que a vítima conta, acompanhando a sua narrativa sem pressa e sem interromper), sem emitir juízos de valor;
- Valide aquilo que a vítima possa estar a sentir (p. ex., «percebo que seja difícil falar sobre isso»);
- Mostre que acredita naquilo que ouve. Não acreditar na pessoa (p. ex., «tens a certeza?», «não estarás a fazer confusão?») aumenta os sentimentos de impotência, desesperança, culpa e vergonha, podendo potenciar o que se designa por vitimização secundária ou revitimização.
- Mostre disponibilidade para ajudar no processo de encaminhamento e sinalização às entidades competentes, contrariando a cultura de segredo e de encobrimento que, habitualmente, existe neste tipo de situações.
Sobre as pessoas que cometem crimes de natureza sexual
Embora em termos públicos seja frequente denominar todas as pessoas que abusam sexualmente por “pedófilos”, isso não é correto. A pedofilia é uma perturbação mental, uma parafilia, sendo o pedófilo uma pessoa que se sente atraído sexualmente por crianças, rapazes e/ou raparigas pré-adolescentes. Isso não significa que todos as pessoas com interesses sexuais pedófilos sejam abusadoras ou que consumam conteúdo pornográfico infantil.
Não. Há vários casos de pessoas que, apesar de serem pedófilos, nunca praticaram nenhum crime e que procuram tratamento psicológico e/ou psiquiátrico para gerirem este problema.
Não é possível saber antecipadamente, com rigor, quem é abusador, uma vez que não existe um abusador sexual “típico”. Mas é importante que as pessoas tenham conhecimento de um conjunto de estratégias que alguns abusadores utilizam. Por exemplo, alguns abusadores poem em prática uma estratégia progressiva de aliciamento de crianças e adolescentes, procurando estabelecer uma relação de confiança (emocional) com elas, podendo levar a chantagem e pressão (eventualmente para fins sexuais) sob a ameaça de revelações comprometedoras, reais ou fictícias. Deve manter-se atento ao que o rodeia a si ou aos seus filhos ou outras crianças, seja em relação a pessoas, como a situações.
Todos os anos, uma percentagem significativa de abuso sexuais é praticada por adolescentes. As vítimas podem ser adultas, embora na maioria das vezes sejam crianças ou outros adolescentes (raparigas ou rapazes), surgindo estes episódios de abusos no contexto familiar, no ambiente escolar, nas relações de amizade ou de namoro, através da internet, entre outros. No caso dos adolescentes, muitos destes abusos sexuais são praticados em grupo, ao contrário de abusadores adultos que tendem a abusar individualmente. Durante muitos anos estas práticas abusivas foram minimizadas, encaradas como “problemas da idade” e “descoberta da sexualidade”, mas desde há várias décadas que se percebeu a necessidade e importância de denunciar e responsabilizar estes adolescentes pelas práticas abusivas que cometeram. Também é fundamental o seu encaminhamento para uma intervenção especializada, na vertente psicológica e psiquiátrica. É importante trabalhar com os adolescentes, esclarecendo dúvidas e procurando encontrar respostas que antecipem problemas, prevenindo a ocorrência de abusos sexuais.
Existe uma crença generalizada de que os agressores sexuais de crianças já foram, eles próprios, vítimas de abuso sexual. Contudo, as investigações demonstram que a maioria das crianças ou adolescentes que são vítimas de abuso sexual não se tornam agressoras sexuais de outras pessoas. Para a maioria das vítimas de abuso sexual, essa crença não só não é correta, como pode ser prejudicial, uma vez que pode aumentar o estigma e impedir as pessoas (crianças ou adultas) de denunciarem o seu abuso. Ou seja, algumas vítimas podem ter receio que um dia se tornem agressores ou, pelo menos, que desenvolvam o desejo de o fazer. Assim, é importante clarificar que são vários os fatores de risco, e não apenas a vitimização sexual em criança, que estão associados ao desenvolvimento de comportamentos sexuais abusivos por algumas pessoas.
A grande maioria dos agressores sexuais são do sexo masculino. No entanto, as mulheres também podem praticar abusos sexuais, inclusive contra crianças e adolescentes. Assim, embora os estereótipos culturais nos levem a considerar raros os crimes sexuais cometidos por mulheres, várias investigações, inclusive algumas realizadas em Portugal nos últimos anos, demostram que estas podem ser também potenciais agressoras. Em termos preventivos, a procura e o envolvimento de homens ou mulheres em intervenções psicológicas ou psiquiátricas, antes de qualquer abuso ser cometido, pode antecipar e prevenir a ocorrência de crimes sexuais.
Os programas de intervenção são essenciais porque as pessoas que os frequentam têm menos probabilidade de reincidir do que aquelas que rejeitam essa intervenção especializada. As intervenções (psicológicas e psiquiátricas) contemporâneas têm-se revelado muito promissoras na redução da reincidência de crimes sexuais e na melhoria do autocontrolo, da regulação emocional e das competências sociais intra e interpessoais. Os modelos de intervenção de base cognitivo-comportamental são os que têm demostrado mais eficácia. Reabilitar agressores é também uma forma de proteger futuras situações de vitimização.
As intervenções (psicológicas e psiquiátricas) pretendem suscitar mudanças comportamentais nas pessoas que praticaram abusos sexuais, concretamente na aceitação da responsabilidade, na alteração de distorções cognitivas, na tomada de consciência e empatia pela vítima, na capacidade de regulação emocional e em vários aspetos centrados com a sexualidade.
Sobre os procedimentos de queixa/denúncia criminal
Para apresentar uma queixa ou fazer uma denúncia, basta dirigir-se à polícia – preferencialmente à Polícia Judiciária, embora se não for possível, qualquer outra polícia possa receber a denúncia – ou diretamente ao Ministério Público e comunicar a prática de um crime. Poderá fazê-lo presencialmente, relatando o sucedido, ou por escrito. A comunicação da prática de um crime dará obrigatoriamente lugar à abertura de um inquérito de natureza criminal.
No caso dos crimes semipúblicos, porém, é necessário que quem apresenta a queixa seja o titular do direito (a vítima, por exemplo) e que não tenha já decorrido o prazo de 6 meses desde que tomou conhecimento do facto e dos seus autores. Importa realçar que, se estiver em causa um crime de coação sexual e de violação, e apesar de serem crimes semipúblicos, poderá o Ministério Público iniciar o inquérito, mesmo se a vítima não tiver apresentado queixa naquele prazo, desde que o interesse desta assim o aconselhe.
Sim. Mesmo em caso de denúncias anónimas, o Ministério Público está obrigado a abrir inquérito, exceto nos casos em que a denúncia seja manifestamente infundada.
Ao apresentar uma queixa, o Ministério Público deverá abrir um processo-crime. O processo começará pela fase de inquérito, onde serão realizadas as diligências probatórias consideradas relevantes para identificar o autor do crime e provar os factos denunciados. Essas diligências poderão incluir, entre outras, a inquirição de testemunhas, a tomada de declarações ao ofendido, o interrogatório do arguido, buscas, escutas, apreensões, entre outras.
Chegando ao final do inquérito, o Ministério Público avaliará a prova e, em função do juízo que formule sobre a sua suficiência ou insuficiência para uma condenação futura em julgamento, deduzirá despacho de acusação ou de arquivamento.
Se houver acusação, poderá o arguido – e apenas se o arguido quiser, uma vez que não é obrigatório que esta fase exista –requerer a abertura da instrução, ou seja, solicitar a um juiz que confirme se o Ministério Público poderia ou não ter acusado, tendo em conta a prova existente.
No final da instrução, o juiz proferirá um despacho de pronúncia, caso em que o arguido será levado a julgamento, ou de não pronúncia, caso em que não será.
Caso haja acusação no final do inquérito ou caso haja despacho de pronúncia no final da instrução, o processo seguirá para julgamento, onde deverá ser produzida toda a prova de onde possa resultar a convicção de que o arguido cometeu o crime.
Importa assinalar que, no caso de crimes sexuais, pode a vítima ser ouvida à porta fechada apenas na fase de inquérito, sem necessidade de repetir as declarações em julgamento, sendo que, quando a vítima seja menor, este procedimento é obrigatório.
A entidade responsável por conduzir o inquérito é sempre o Ministério Público. No entanto, o Ministério Público tipicamente delega a investigação na Polícia Judiciária, que realizará a maior parte das diligências de prova e depois comunicará as suas conclusões ao Ministério Público para que este profira despacho de acusação ou arquivamento.
Após a fase de inquérito, quando o processo seguir para tribunal, a entidade responsável será, naturalmente, o tribunal, que contará com um juiz ou com três juízes, dependendo do tipo e do número de crimes em causa.
Não. O processo-crime por crimes públicos e semipúblicos é inteiramente gratuito e a vítima não necessitará sequer de constituir advogado.
Sobre o processo de averiguação canónico
As denúncias de casos de violência sexual de crianças ou pessoas vulneráveis, cometidos por um membro do clero ou por um fiel que goze de uma dignidade ou exerça um encargo ou uma função na Igreja, podem ser apresentadas directamente ao bispo diocesano ou diante de qualquer pessoa, organismo ou estrutura disposta para o efeito, que se encarregará de a encaminhar para o bispo diocesano do lugar onde foi cometido o abuso e, no caso de não coincidir, também para o bispo próprio do clérigo ou o bispo do lugar onde mora o fiel leigo. Quando a denúncia diz respeito a um membro de um Instituto de Vida Consagrada ou Sociedade de Vida Apostólica, a denúncia deve ser encaminhada não só para o bispo do lugar onde ocorreram os factos, mas também para o respetivo superior religioso. Para o acolhimento e acompanhamento das vítimas, bem como para a recepção de denúncias foram criadas diversas estruturas, como as Comissões Diocesanas, estruturas semelhantes de Institutos de Vida Consagrada ou de associações, e o grupo VITA.
Conforme as normas estabelecidas, um dos bispos ou dos superiores referidos iniciará o processo canónico que começará, caso a denúncia não seja claramente improcedente, pela abertura da investigação prévia (a denúncia será claramente improcedente quando seja manifestamente impossível o denunciado ter praticado os factos ou estes não constituam delito). Esta investigação tem como objectivo recolher dados que sejam úteis para aprofundar a denúncia, e verificar a sua verossimilhança, isto é, se existe fundamento suficiente em direito e nos factos para considerar verossímil a acusação, e assim dar início ao processo penal, que pode ser judicial ou extrajudicial (administrativo).
No caso de o acusado de violência sexual de crianças ser membro do clero, o resultado da investigação seguirá para o Dicastério da Doutrina da Fé (Santa Sé), o qual dará início ao processo penal, que será conduzido pelo próprio Dicastério directamente ou delegado no bispo ou no tribunal diocesano. Este dicastério da Cúria Romana julga em exclusividade os clérigos acusados de cometer os seguintes delitos:
- violência sexual de menor de dezoito anos ou de pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão;
- a aquisição, a detenção, a exibição ou a divulgação, para fins de libidinagem ou de lucro, de imagens pornográficas de menores de dezoito anos, de qualquer modo e com qualquer instrumento.
No caso de o acusado ser um membro não clérigo de um Instituto de Vida Consagrada ou Sociedade de Vida Apostólica, o processo penal seguirá para a autoridade judicial competente do próprio instituto.
No caso de o acusado ser um leigo, o processo é tratado no tribunal diocesano do bispo que iniciou a investigação.
O processo penal, quer tenha sido instruído na Santa Sé quer num tribunal diocesano, poderá concluir que o acusado:
- é culpado, quando se prova que foi cometido o delito;
- que é inocente, quando se prova que não foi cometido o delito;
- não pode ser condenado porque não se consegue provar nem a culpabilidade nem a inocência (acontece, por exemplo, quando as provas são juridicamente insuficientes).
No caso de se provar a culpabilidade do acusado, este receberá as penas que forem consideradas oportunas: no caso dos clérigos pode chegar, conforme a gravidade dos delitos cometidos, à demissão do estado clerical (perde os direitos e deveres próprios dos membros do clero).
Em primeiro lugar, devemos ter presente o cânone 1398 (versão actual, depois da reforma do Direito Penal feita pelo Papa Francisco em 2021). Depois devemos dar atenção privilegiada aos seguintes documentos:
- Proteção de menores e adultos vulneráveis – Diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa (2000);
- Congregação para a Doutrina da Fé, Normas sobre os delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé (versão de 2021)
- Congregação para a Doutrina da Fé, Vademecum sobre alguns pontos de procedimento para tratar os casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos (2022, 2.ª ed. revista)
- Papa Francisco, Carta Apostólica Motu Proprio Vos estis lux mundi (versão atualizada em 2023)
Estes documentos, juntamente com muitos outros referentes a esta temática, estão disponíveis no site www.vatican.va, numa janela intitulada «Abuso de menores. A resposta da Igreja» (https://www.vatican.va/resources/index_po.htm)
O Código de Direito Canónico, na sua versão actualizada, pode ser consultado no motor de busca do sítio electrónico da Faculdade de Direito Canónico da Pontifícia Universidade Gregoriana: https://www.iuscangreg.it/cic_multilingue.php